terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sente-se triste por ter sido só isso, um sonho




























Mora no penúltimo andar de um prédio alto e à noite o vento que bate com força na janela do quarto perturba-lhe um sonho enquanto ela dorme. Passam as duas da manhã e, no seu sonho, é como se ele estivesse ali. Mas não está, está longe, e, no entanto, está com ela sim, à distância de um pensamento, a pensar nela, a vigiar o seu sono. Ao telefone, ela disse-lhe eu amo-te mas o nosso amor é um sonho impossível, por todas as razões que nós sabemos. Ele respondeu-lhe não digas isso, não é verdade, acredita em mim, eu cumpro o que te prometo, vamos ficar juntos, sim.

Ela adormeceu agarrada ao telemóvel e a última frase que lhe ouviu – ou julga que lhe ouviu – foi um pensamento que ele lhe disse, que desejava adormecer com ela, não só nessa noite, mas todas as noites da vida deles. Ela pensou eu também e respondeu-lhe que gostava do seu pensamento.

O vento uivou furioso, assustador, e ela sentiu-se sozinha na sua cama. Escondeu-se do frio, encolhida de lado, debaixo dos cobertores. Desperta num sobressalto, a madrugada vai a meio, e fica ali deitada, de olhos espantados, observando as sombras sinistras que dançam na parede do quarto. Fica assim, deitada, a pensar nele, na falta que lhe faz e como odeia estar sozinha, mas já não sabe se ele lhe disse mesmo que a queria para sempre ou se foi só um sonho bom.

Depois, vencida pelo sono, adormece novamente, e, quando volta a acordar já é de manhã, as sombras dissiparam-se, o vento parou e o dia chegou com um sol prometedor que irrompe pelo quarto como que a querer dizer-lhe que está tudo bem. Ela abre os olhos devagar, estremunhada, apetece-lhe continuar deitada, mas pensa que tem de ser e senta-se na cama para contrariar a vontade. Olha para o lado com um aperto no peito, ele não está lá como estava no sonho. Sente-se triste por ter sido só isso, um sonho, e interroga-se de novo se lhe terá ouvido realmente aquele último pensamento antes de ter adormecido.

Baixa os olhos e percebe que ainda tem o telemóvel na mão. Repara que recebeu uma mensagem silenciosa dele durante a madrugada. Carrega na tecla e lê: O meu desejo é adormecer contigo todas as noites. Sorri, com a frase dele na cabeça, feliz por não ter sido só um sonho e por saber que ele estava mesmo com ela enquanto dormia. Depois, num impulso, escreve-lhe uma mensagem de resposta. Diz-lhe: Também te quero para sempre e não te enganarei com sonhos impossíveis, meu amor, não há sonhos impossíveis.

Tiago Rebelo