domingo, 12 de dezembro de 2010

e já não sei se sonhamos o mesmo sonho, ou se nos levantamos ao mesmo tempo para o amor, mas ainda te amo
























Antes de partir, talvez ainda não seja tarde para começares a regressar. Estou sozinho, ardo na memória das noites em que não te conhecia. E não sei se suportarei o peso do teu rosto ausente sobre o peito, tatuado; e talvez recorde a tua respiração enforcando-me, noite após noite, enquanto durmo. Tua mão escavou o desejo entorpecido nestas débeis veias, e já não sei se sonhamos o mesmo sonho, ou se nos levantamos ao mesmo tempo para o amor, mas ainda te amo.
Aliso tuas pálpebras durante as noites de vigia e sei que uma vida anterior à minha presença as feriu. No entanto, sinto que ainda és capaz de me olhar como se eu contemplasse o mar. De resto. Os dias acumulam-se uns sobre os outros, iguais, sob o negro esplendor do sol. E latejamos, além, onde nos perderemos para sempre.
As tuas mãos vestiram as minhas, e fizeram-nas voar de sedução em sedução. Mas, dentro das fotografias, erguem-se pirâmides de cintilantes ossos, pequenas nódoas de memórias, feixes de veias quebradas pelas chuvas… não, não é o solitário canto do noitibô que nos surpreende, nítido, persistente, mas sim o grito que há-de crescer do fundo de nós. E, com o tempo, as mãos, as tuas, cairão também no esquecimento… e delas apenas permanecerá uma sensação de ardor sobre a minha pele.
Mas se um dia voltares acorda-me, como inesperadamente me acordaste uma noite. Não me deixes dormir mais, desperta-me e tudo se iluminara num gesto, num sorriso teu. Talvez não seja tarde ainda para começarmos a regressar um ao outro. Basta beber o mel que sempre bebemos no sexo um do outro, e de novo sentir o turbilhão de alegria que nos despertava a meio da noite para o amor.
Os espelhos ainda nos devolvem a candura do que somos, mas também anunciam a cinza que sepultara os corpos, algures, num esquecimento e numa dor obscura de nós próprios. Temos de aprender a subjugar o destino à nossa vontade. Ainda é possível mergulhar nos espelhos e roubar-lhes os vestígios felizes de nossos rostos. Ainda é possível apagar as dolorosas manchas da memória e recuperarmos o rosto da alegria que nos pertenceu. É esse o nosso rosto, mesmo que seja morto.
Regressa. Regressa ao escorrer dos dedos enrolados no sexo, ao riso matinal dos corpos saciados, às nocturnas conversas das esplanadas, aos jogos de sedução, aos engates, ao murmúrio das vozes, à ofegante trepidação da manhã, regressa... regressa. Porque as palavras não te substituem e estão cheias de pústulas no coração das sílabas.
Regressa e oferece-te à preguiça triste de quem continua aqui, vivo, sorvendo a espiral da sua própria ausência. Regressa, peço-te, mesmo antes de partires. Regressa à voracidade do desejo, e à incendiada paixão dos nocturnos tigres.

Al Berto