domingo, 14 de novembro de 2010

Acho que a versão que o Tiago Rebelo estaria a pensar seria mais na versão original desta canção pelo Frankie Valli (esse mesmo, da canção do filme Grease), mas eu prefiro esta versão




Sentado ao balcão do bar do hotel, com um copo de uísque a rodar numa mão distraída, ansiando por um cigarro proibido, sente-se sozinho num país desconhecido, onde não tem senão umas supérfluas relações de trabalho.

Instalada num cadeirão confortável, à frente de uma mesa baixa onde há uma xícara de café vazia, meia tosta mista esquecida num prato pequeno, ela suspira incomodada com o seu próprio silêncio e com a falta de alguém com quem falar descontraidamente depois de um dia de reuniões exigentes. Tem um livro aberto com a capa para cima pousado no colo e nenhuma vontade de o ler. Naqueles momentos, o seu pensamento regressa sempre a um amor distante com quem foi feliz. Depois de várias tentativas falhadas, não voltou a sê-lo.

Ao fundo, um pianista caprichoso toca de olhos fechados para a sala quase vazia. A seu lado, num banco alto, uma mulher jovem embala com a voz a música que ele acompanha,

You’re just too good to be true
Can’t take my eyes off of you,
You’d be like Heaven to touch.
I wanna hold you so much.

Atrás do balcão, o empregado troca-lhe o copo vazio. Ele bebe um gole, volta-se no banco. Ao fazê-lo, os seus olhos fixam-se nela, sentada à mesa, e repara que tem no colo um livro português. Ela sente-se observada, levanta a cabeça e os seus olhos cruzam-se com os dele. Ele cumprimenta-a com um leve aceno de cabeça mudo. Ela corresponde-lhe com um sorriso cerimonioso, desviando logo o olhar.

Enquanto ele se aproxima, ela corrige instintivamente uma madeixa do cabelo, alisa a saia com a mão. Acercando-se dela, diz-lhe, apontando para o livro, reparei que é portuguesa. Também sozinha neste país estranho? Também, admite ela, encolhendo os ombros numa fatalidade. Posso fazer-lhe companhia?, pergunta-lhe, ao que ela responde indicando-lhe o cadeirão vazio ao seu lado. Ele senta-se, apresenta-se, ela está a tomar notas mentalmente, percebe que veste um fato de qualidade, camisa a condizer com a gravata, tudo com muito bom gosto, que não usa aliança.

Ele fala sem deixar cair a conversa, enquanto pensa vamos lá ver o que isto dá. Ela pensa o mesmo, acha-lhe graça, mas decide logo que não quer mais aventuras de uma noite só.

Ao fundo, a mulher canta,

But if you feel like I feel,
Please let me know that it’s real.
You’re just too good to be true.
Can’t take my eyes off you.

No final da noite separam-se no elevador com um pequeno-almoço combinado e ela vai para o quarto entusiasmada, a cantarolar a mesma música, a perguntar-se se um dia aquela vai ser uma música para relembrarem os dois o início de alguma coisa que foi mais do que isso.


Tiago Rebelo