domingo, 10 de outubro de 2010

À espera que a chuva pare



A música que o pianista toca no seu canto do bar é ‘If You Don’t Know Me By Now’. Os seus dedos parecem pairar sobre o teclado e a sua voz vem-lhe da alma, não obstante não haver ali praticamente ninguém para o ouvir, pois canta só pelo prazer de cantar.
Sentado a meio do balcão, rodeado de bancos vazios, um cliente solitário escuta a música, atento à história que a sua letra conta. A música acaba e ele vê o pianista olhar contemplativo para as teclas, como que espantado com a magia que faz com elas e com a beleza da música. Vê-o assentar as mãos nas pernas, soltar um suspiro e abanar a cabeça com um sorriso, antes de se levantar lentamente e retirar-se por uma porta dos fundos.
Ao cliente solitário apetece-lhe o mesmo, um suspiro e uma saída pela porta dos fundos, onde quer que ela vá dar. Tem os cotovelos apoiados no balcão, um dedo pensativo faz rodar o gelo dentro do copo. Já passa da meia-noite e ainda chove lá fora, são as primeiras chuvas do Outono. Ele está a pensar na mulher que ama, a pensar que hoje ela não está e, quando ela não está, não sabe o que fazer com o seu tempo. Há já algum tempo que não sabe o que fazer com o seu tempo. Pede mais uma bebida, enquanto espero que a chuva pare, diz ao empregado em jeito de justificação. O homem força um sorriso instantâneo, indiferente, e deposita à sua frente um copo atestado em menos de um minuto. Bebe um pouco, pousa o copo, acende um cigarro.
Faz desenhos no cinzeiro, com a cinza, com a ponta do cigarro. Pensa na mulher que ama como uma recordação feliz. Um dia, ela partiu em busca de qualquer coisa. Agora já não têm solução, embora estejam os dois sem saber o que fazer ao tempo.
Apaga o cigarro, acaba a bebida, paga a conta.
Chega à porta do bar e verifica que já não chove tanto, só os pingos que restam do aguaceiro. Pensa nela uma última vez e, sem se dar conta, encolhe os ombros a ponderar no tempo que tem perdido a pensar nela, inutilmente. Na verdade, não estava ali à espera que a chuva parasse, mas que ela viesse. Ela não veio e ele decide não esperar mais, nem hoje nem nunca. De repente, percebe que o desinteresse dela não é assim tão importante, não merece a desilusão que o tem perturbado. Anima-se com a sua decisão, sentindo-se como se tivesse tirado um peso de cima dos ombros. Enfia as mãos nos bolsos e sai para a noite a pensar que amanhã será um dia melhor.


Tiago Rebelo