quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

que eu fico aqui, eterno, à tua espera

Quero que gostes de Pina Baush, ou até já nem gostes, queiras mais queiras diferente; que gostes da cor e do risco forte de Miró e do canto desiludido e fundo de Ferré; quero que aprecies os cheiros sensíveis da eternidade do grande bruto grande e do pequeno sensível e pequeno; quero que mores nas páginas da Photo e que, sendo um modelo de virtudes representes a cortesã mais lassa para mim; quero-te com mãos de pedra e de veludo; quero que ames o chique e a Serra d'Aire - mais o safari que a recepção, quero que mores e sofras nas páginas de Guido Crepax e que te irrites com a perfeição absoluta de um retrato de Medina quero que, se possível vivas dentro do anúncio do Martini felina e ondulante numa ilha tropical quero que sejas capaz de divertir-te, de soltar uma ampla gargalhada, ante o espectáculo ridículo e obsceno de um homem de Quinhentos a quem atribuíssem um número de contribuinte quero que ames o longe e a miragem, como o Régio e que sejas louca e sábia que tenhas lábios e mordas, língua e sorvas, sexo e sexes, salto e salto, riso e rias, sorvedouro inteiro de vida, arrepio de garça, sacudir de cisne, passos de corsa, graça de arlequim, pose de Diva, corpo de areia e luz. E quero que me dês, me dês muito, que me dês tudo, e que abras as janelas de par em par ao Tejo e fecundes um poema em cada gesto e voes como a gaivota em cada espreguiçar e partas para a Índia em cada cacilheiro e que sejas, mores, vivas e creias longe muito longe daqui... quero que sejas profundamente minha e ritual obsessiva e lúcida, doente, febril, tremendo de desejo disposta a tudo e a mais e a muito mais, boca de Mundo, seios de Mármore, corpo de Alfazema e sobretudo Mulher e sobretudo amante. Se existires assim, nua, inteira, absoluta e pessoal responde-me que eu fico aqui, eterno, à tua espera.