sexta-feira, 15 de abril de 2011

Às vezes também tenho 19 anos






















Dezanove Anos
José Luis Peixoto


Aconteceu ontem, a meio da tarde, num jardim perto da minha rua. Ele tinha chegado havia quase uma hora. Tinha escolhido um banco livre entre os bancos que estavam ocupados por homens reformados  que falavam uns com os outros, que tentavam ver e perceber tudo o que acontecia no jardim. Ele não olhava para nada daquilo que lhe estava perto. Olhava para a distância. Precisava de pensar. Quando ela chegou
e se sentou no banco em frente, ele não reparou logo nem no seu rosto, nem no seu olhar magoado, nem na sua presença. Ela tinha dezanove
anos. Cabelos lisos a caírem-lhe por trás dos ombros e a espalharem-se pela superfície das costas. Ele tinha trinta anos mas, às vezes, também tinha dezanove anos.
  
Havia nuvens que moldavam o céu sobre os prédios. Era nessas esculturas que ele tentava resolver os seus pensamentos. Ela tinha o olhar fixo na relva cortada, silêncio verde vivo. Passaram poucos minutos até que os homens reformados se desinteressassem de olhar para ela. Continuaram as suas conversas de notícias do telejornal; o mundo está perdido, dizia um; e jogos de sueca na véspera, e jogos de futebol no fim-de-semana, e filhos que eram importantes; o meu filho foi promovido a chefe de departamento, dizia outro. Por isso, e também pela distância, não repararam na lágrima, seguida de lágrimas, que atravessou a pele do rosto dela e que lhe marcou um risco de água na pele. Não se sabe a razão mas, nesse momento, quase como se fosse chamado por alguma voz, ele baixou o olhar do céu e viu-a. Ela tinha a cabeça inclinada para a frente e os cabelos quase que lhe tapavam o rosto, mas ele distinguiu as lágrimas, o olhar magoado, o rosto. Pensou que talvez não pudesse fazer nada. Eram dois desconhecidos.  Ela tinha dezanove anos. Ele tinha trinta e sabia que ninguém no mundo, nem mesmo ela, poderia acreditar que, às vezes, tinha dezanove anos.

Mesmo assim, levantou-se e sentiu que os gestos do seu corpo eram
exteriores aos gestos e às contradições que existiam dentro de si. O som dos seus passos a deslizarem na terra. Aproximou-se dela. Sentou-se ao seu lado. E ficou em silêncio. Ela sentiu a sua presença mas não olhou logo para ele. Os homens reformados não perceberam nada para além da naturalidade.  Ela afastou os cabelos, olhou para ele e sorriu. Ele sorriu-lhe também. Ela disse-lhe o nome. Ele disse-lhe o nome. Falaram durante tempo. Quando se despediram, ela sorria. Ele sabia que tinha dezanove anos e sorria.  Ele tinha trinta anos e tinha a certeza de que o mundo não permitiria que se encontrassem de novo.

Ele era eu. Ela chamava-se Ana.